Abstract: Chamamos-lhes Anousim (pl. de Anous, que significa forçado ou coagido em hebraico), também conhecidos como marranos, conversos, tornadiços, Povo da Nação, Cristãos-Novos ou Judeus àqueles que permaneceram em Portugal e Espanha e praticaram o seu Judaísmo em segredo, ou deixaram a Península Ibérica devido à Expulsão (1497) e à Inquisição (1536-1821), muitos tendo continuado a praticar livremente o Judaísmo na diáspora. Sabemos, no entanto, que os judeus ou cristãos-novos que permaneceram em solo lusitano, adotaram e mantiveram várias estratégias discretas ou ocultas para resistir à conversão forçada até ao presente. Também sabemos de muitos portugueses que insistem numa identificação com a matriz judaica e de um esforço paralelo e sem precedentes para recuperar o que resta dos vestígios da memória dessa cultura judaica em Portugal. Assiste-se a uma intensa atividade revivalista em torno do património cultural judaico no país. O que não sabemos é em que medida tais processos identitários e materialidades e imaterialidades mnemónicas judaicas persistem hoje na esfera pública e privada, e como esses traços culturais coexistem com a fabricação nacional de património, nos seus diversos aspetos materiais e discursivos. O estudo foca-se nestes últimos, pela via etnográfica
Abstract: Os Cadernos de Orações Criptojudaicas e Notas Etnográficas de Judeus e Cristãos-Novos de Bragança resultam de uma investigação baseada em trabalho de campo antropológico realizado em Bragança e são uma coletânea de dados que atestam a persistência da cultura judaica, criptojudaica, ou cristã-nova no distrito, até à contemporaneidade Incluem-se nesta obra uma síntese do levantamento histórico e um conjunto de dados etnográficos respeitantes ao património cultural judaico e cristão-novo da região nas suas dimensões imateriais, narrativas ou discursivas, e nas suas dimensões materiais, objetificadas - peças que atestam que se trata de um legado que não só perdura na memória coletiva local, como é ainda no presente um legado estruturante da identidade local, tornando-a multicultural. O leitor encontrará uma parte do que existe deste património judaico e cristão-novo transmontano, pois uma etnografia é sempre algo em construção, um olhar inacabado que carece de constante atualização, dado que a permanente transformação e construção fazem parte da própria essência de todas as culturas. Mas é sobretudo um tributo aos brigantinos que participaram nesta construção e que, vencendo os receios do secretismo, se deixaram motivar pela esperança de se integrarem num judaísmo plural e num Portugal mais intercultural.
Abstract: Jews who remained or returned to Portugal after the Expulsion (1496) and Inquisition (1536–1821) adopted and preserved different strategies to resist total assimilation, forced conversion and antisemitism. Today, Jewish communities are small and shy. At the same time, however, many Portuguese insist on an identification with a Jewish matrix. In parallel, there is an unprecedented effort to revitalize Jewish cultural memory in the public and private spheres. This article critically discusses the broad notion of Jewish identity and its representations in present day Portugal. It gives a succinct account of its existing Jewish communities, their power interrelationships and the categorizations used to label who is identified as a Jew. The article examines the making of cultural Jewish heritage and its paradoxes, considering the variety of agents involved and their agendas. While it will be argued that Jewish identity is certainly multidimensional, there are, at the same time, several contemporary native Jewish tangible and intangible cultural traces that are being neglected in the systematization process of Jewish memory and traditions in Portugal. Given the homogenizing tendencies of globalization and the particularizing local reactions to such trends, the present article describes and reflects on how the Jewish past in Portugal is intertwined with the present, and how the plural ways of perceiving Jewish identity and its cultural manifestations can be understood in a glocal frame, in terms of both discursive and material Jewish traditions. Based on a qualitative approach and a collaborative ethnographic method, the article analyzes how the Portuguese matrix of Jewish culture remains part of the Sepharad imaginary while it is subjected to the constraints of time and space.